Infertilidade: Sabe quando pedir ajuda?
- A infertilidade afeta milhões de pessoas de todo o mundo em idade reprodutiva, afetando famílias e comunidades. Ao apresentar-se como um tema complexo, pode ainda gerar um sentimento de ansiedade que pode atrasar o próprio diagnóstico clínico.
- Da consulta de avaliação ao tratamento é avaliado o histórico clínico do casal, com exames específicos para avaliar e excluir diferentes fatores de infertilidade.
- A abordagem terapêutica para o tratamento da fertilidade depende da causa, como a idade ou fatores hormonais
A infertilidade é um problema que assombra a vida de muitos casais que têm como desejo gerar um filho em comum. Felizmente, há cada vez mais soluções, bastando procurar ajuda especializada e atempada, como realça a médica Maria José Carvalho.
Quando se pergunta a alguém sobre qual o momento mais importante da sua vida, é muito comum que a resposta aponte para o dia em que foi mãe ou pai. Não é, pois, de estranhar que este seja um dos principais objetivos da vida de inúmeras pessoas e que, quando este se revela impossível de concretizar, tal possa constituir motivo de enorme tristeza e frustração. Com efeito, a infertilidade afeta milhões de pessoas de todo o mundo em idade reprodutiva, tendo um enorme impacto nas suas vidas, famílias e comunidades.
Embora seja complexo saber ao certo quantas pessoas vivem este problema, tendo em conta a diversidade de fatores envolvidos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que entre 48 milhões de casais e 186 milhões de indivíduos de todo o mundo sejam afetados pela infertilidade. Em Portugal, a situação também já foi avaliada e os dados do primeiro estudo epidemiológico sobre infertilidade realizado revelam que 9 a 10% dos casais portugueses sofrem de infertilidade ao longo da vida, ou seja, entre 260 e 290 mil casais têm problemas em gerar um filho. Mas a boa notícia é que, também segundo a mesma pesquisa, mais de 100 mil casais podem beneficiar de tratamento para solucionar o problema e é aqui que a esperança deve ser colocada.
Para a OMS, a infertilidade é considerada uma doença do aparelho reprodutor masculino ou feminino quando após um ano ou mais de vida sexual regular e sem contraceção a gravidez não acontece. Nesta altura, é aconselhável “procurar uma consulta especializada de medicina da reprodução”, explica Maria José Carvalho, diretora clínica do Centro Médico de Assistência à Reprodução (CEMEARE). Ainda assim, a médica realça que “nas situações em que a idade da mulher seja superior a 37 anos não deverá aguardar mais de seis meses”, tendo em conta que a capacidade reprodutiva decresce com a idade.
O que esperar de uma consulta de avaliação na infertilidade?
Numa primeira consulta de infertilidade, a situação vivida pelo casal é analisada em detalhe, sendo “efetuada a abordagem clínica, no sentido de esclarecer e investigar os diferentes fatores de infertilidade eventualmente envolvidos”, refere a ginecologista e obstetra. Desta forma, o profissional de saúde irá procurar conhecer em detalhe a história clínica dos elementos do casal (nomeadamente, doenças existentes ou prévias, bem como cirurgias realizadas), hábitos de vida (stress, alimentação, medicação) e atividade sexual, bem como a análise de exames médicos anteriores.
Esta conversa é bastante importante, uma vez que podem de imediato ser detetadas situações eventualmente responsáveis pela infertilidade. Além disso, são também pedidos exames complementares com vista a permitir um estudo completo da situação do casal, de acordo com a sua idade e história clínica.
Que exames são feitos?
Segundo Maria José Carvalho, “na mulher, são pedidos exames para avaliar a sua saúde em geral e a sua condição preconcecional, nomeadamente, a avaliação de marcadores infeciosos, e posteriormente são feitos outros exames, como o estudo hormonal e a avaliação de patologia uterina, de acordo com a sua história clínica”. Com a informação recolhida e os resultados obtidos nos exames específicos realizados, os especialistas irão “avaliar e excluir alterações na função ovárica, da reserva ovárica, da patologia uterina ou alterações na permeabilidade tubária, que influenciam o potencial reprodutivo da mulher”.
Quanto ao homem, “são pedidos exames analíticos em geral, nomeadamente os marcadores infeciosos e o estudo dos espermatozoides, também de acordo com a sua história clínica, podendo haver indicação de complementar esse estudo com novos exames e/ou uma consulta de andrologia ou urologia”, especifica, realçando que “no homem, o estudo dos espermatozoides, designado espermograma, é o exame de maior importância para a tomada de decisão no tipo de tratamento de procriação medicamente assistida”.
O que pode causar infertilidade?
A infertilidade pode ser causada por inúmeros fatores, tanto relacionados com a mulher como com o homem. De acordo com a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR), em cerca de 20 a 30% das situações, a causa de infertilidade é um problema do homem e, em 30 a 40% dos casos, o problema tem origem na mulher. Há também casais inférteis (cerca de 30%) em que ambos os elementos contribuem para a situação, mesmo que com preponderâncias diferentes. Por outro lado, segundo a SPMR, em 5 a 10% dos casais não se deteta qualquer fator explicativo para a infertilidade, falando-se neste caso de infertilidade inexplicada ou de causa desconhecida.
Referindo-se às explicações mais comuns para a infertilidade, Maria José Carvalho sublinha que “a principal causa de redução do potencial reprodutivo da mulher é a idade”, sendo que “este fator tem vindo a acentuar-se nos tempos atuais”, especialmente devido à tendência crescente para atrasar a idade da primeira gravidez. Outras causas de infertilidade feminina relacionam-se com fatores hormonais, nomeadamente, com alterações da função ovárica, irregularidades dos ciclos menstruais, défices hormonais e/ou redução progressiva do número de óvulos (o que em linguagem médica se designa por reserva ovárica).
Há também a considerar o fator tubário e peritoneal, que se refere a alterações da permeabilidade das trompas ou mesmo a sua obstrução completa, geralmente relacionadas com processos infeciosos (por exemplo, doenças sexualmente transmissíveis, doença inflamatória pélvica, entre outras). Ainda do lado da mulher, a endometriose é uma doença que pode também interferir no processo reprodutivo e na implantação do embrião no útero.
Já no caso do homem, a especialista explica que a infertilidade está relacionada com os espermatozoides, pelo que este fator é “habitualmente revelado pelo espermograma, avaliado com rigor segundo os critérios atuais da OMS”. As anomalias detetadas podem estar relacionadas com a reduzida quantidade de espermatozoides, a sua deficiente mobilidade, problemas morfológicos que diminuem a possibilidade de fecundação, ou até com a total inexistência de espermatozoides. Estes problemas podem resultar de fatores genéticos, hormonais, infeções, lesões ou intervenções cirúrgicas na área genital.
Que tratamentos estão disponíveis?
Nas situações clínicas em que é diagnosticada uma alteração nas trompas da mulher (o anteriormente referido fator tubário), “está indicada a realização de uma técnica de PMA designada por fertilização in vitro [FIV], em que após a colheita dos ovócitos por via transvaginal, sob sedação, se juntam os espermatozoides após preparação laboratorial, para se obter a fertilização dos ovócitos em laboratório de embriologia”.
Por seu turno, nos casos em que existe um fator masculino, segundo os critérios da OMS, o tratamento indicado é a microinjeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI, na sigla em inglês), em que, “após a colheita dos ovócitos, é introduzido, por micromanipulação, um espermatozoide em cada ovócito. No período de dois a seis dias após a fertilização dos ovócitos, procede-se à transferência de um embrião para o interior do útero com um fino cateter, procedimento considerado indolor”, indica a especialista.
De salientar que “se do tratamento por FIV ou ICSI resultarem mais embriões, estes serão criopreservados e disponibilizados para novos tratamentos ou preservados por um período de três a seis anos”.
O que garante o sucesso dos tratamentos?
Segundo Maria José Carvalho, são vários os fatores que condicionam o sucesso dos tratamentos para a infertilidade:
- Idade da mulher
- Número de anos de infertilidade
- Causa da infertilidade
- Qualidade de fertilização dos gâmetas (ovócitos e espermatozoides)
- Qualidade da recetividade endometrial (quando o endométrio se encontra na espessura ideal para a implantação do embrião diz-se que o endométrio está recetivo e tal condição é fulcral para o sucesso do tratamento)
- Número de tratamentos efetuados que aumenta com o número de tentativas e que se traduz numa taxa cumulativa que pode atingir cerca de 60%.
Como prevenir a infertilidade?
Entre as recomendações possíveis para prevenir situações de infertilidade, a médica sublinha a necessidade de “planear o nascimento do primeiro filho em idade de maior potencial reprodutivo”, assim como manter um estilo de vida saudável, nomeadamente, praticar atividade física, reduzir ou mesmo eliminar hábitos tabágicos e de ingestão de álcool, adotar uma dieta equilibrada e controlar o excesso de peso.
E porque também nesta área abundam os mitos que importa desconstruir, a especialista destaca a importância de não se atrasar a procura de ajuda: “Alguns casais têm dificuldade em assumir a sua infertilidade, atribuindo-lhe diferentes razões, nomeadamente a ansiedade, e atrasando assim uma avaliação eficaz e atempada dos fatores de infertilidade, com consequências nos resultados finais.”
Conteúdo revisto
pelo Conselho Científico da AdvanceCare.
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